Cagaita (Eugenia dysenterica)
Crônica

O período da seca no sertão revela sua beleza através de detalhes observados debaixo das folhas secas, galhos retorcidos e muita, mas muita poeira mesmo. Durante passeio realizado há alguns anos na região de Curvelo, pude comprovar a desolação que esta estação impõe ao cerrado. Mas debaixo dessa imensa capa avermelhada de pó, de repente me deparei com um pé de Cagaita (Eugenia dysenterica) e fiquei pasmo com tamanha formosura. A árvore estava completamente revestida de delicadíssimas flores brancas, como se um véu de noiva houvesse despencado dos céus em meio ao sertão, enfeitando toda aquela desoladora secura.

A partir deste fato resolvi ficar mais atento e na medida do possível investigar mais sobre as propriedades desta planta típica do cerrado. Conversando aqui e acolá fiquei sabendo que ela é uma árvore melífera e suas cascas são utilizadas há tempos na curtição de couro. Atualmente a polpa dos frutos tem sido processada principalmente no Norte de Minas e em Goiás para preparar doces, mousse, licor, compotas, geléias, sucos e sorvetes, podendo ser armazenada por até um ano sem perder sabor ou qualidade. Na região do Alto Jequitinhonha tive a oportunidade de experimentar um delicioso vinagre preparado a partir da fermentação natural dos frutos.

Ano passado deu-se o acontecido de me embrenhar no sertão neste mesmo período de seca junto ao amigo e raizeiro, Chico da Mata. Quando a sede apertou, topamos com uma Cagaitaeira carregada de frutos e um monte deles mais amadurados tavam espalhados pelo chão. Não me fiz de rogado e deitei o queixo me achando o feliz. Chico me olhava de soslaio, rindo disfarçado e não demorou muito pra entender o por que. Devorei afoitamente os frutos aquecidos e fermentados pelo sol escaldante e levei toda aquela calorama pras minhas entranhas. Deu-se início a um suadô desabusado e me curvei em cólicas, que somente foram desembaraçadas depois que me aliviei por trás de uma moita de Pinha-de-rato.

Chico ficou sentado mais afastado embaixo da sombra dum pequizeiro e pacientemente enrolou um cigarro de paia, vez por outra soltando uma risada enquanto eu me acabava. Baixinho ele resmungou que “a cagaita tava numa quentura doida e muito amadurada. Verdolenga dá caganera não, dá é um suco muito bão”. Experiência desagradável que relato para que outros desavisados não passem pela mesma situação.

Curioso é que suas folhas produzem efeito contrário, atuando como antidiarreicas e lá pelos lados do Rio Urucuia, tradicionalmente elas são indicadas para baixar o nível de açúcar no sangue e agir como vermífugo. Quando o caso é cuidar de um machucado ou ferimento, a recomendação é machucar as folhas e aplicar sobre as partes afetadas, pois elas têm boa atividade cicatrizante. Pouco tempo atrás andei lá pras bandas do Rio Pandeiros e uma moradora local, D. Santa, tava colhendo somente os brotos bem novinhos e avermelhados. Perguntada qual a serventia, me respondeu: “prá queimação na barriga é um santo-remédio. Tem que amassá e butar numa água fria, tumando os tiquim”. As flores são indicadas pra trata dos casos de rins e bexiga e o chá das cascas ajudam na regulagem da menstruação

Experimente transformar os frutos maduros numa deliciosa geléia. Junte meio quilo deles, lave bem e coloque pra cozinhar num litro de água. Depois de bem cozidos, deixe esfriar e passe numa peneira fina. Meça as xícaras de polpa obtidas e junte quantidade igual de açúcar, levando ao fogo até dar ponto de geléia. Pra saber qual é o ponto certo, coloque um pouco de calda num pires, molhe o dedo polegar, esfregando-o no dedo indicador e afastando. Se formar um fio mole, tá no ponto. Até a próxima lua!